RIO - Morrem, por mês, três ciclistas no Rio. Informações do Datasus mostram que 36 pessoas foram vítimas, em 2009, de acidentes com bicicletas. Em 2000, este número era de apenas um óbito. Além disso, dados ainda preliminares de 2010 apontam também para 36 vítimas. Em todo o período, foram registrados 238 mortes de ciclistas, das quais 174 (73%) foram ocasionadas por colisões com veículos. Esta é a quarta reportagem da série de O Globo sobre o uso de bicicletas no Rio, com patrocínio da Bradesco Seguros.
Outro dado que chama a atenção sobre acidentes fatais com ciclistas é que os homens foram as vítimas em 224 (94,1%) dos 238 casos entre 2000 e 2010, segundo o Datasus.
A popularização do uso da bicicleta na capital é a principal justificativa apontada por entidades para o aumento do número de acidentes, como afirma o diretor da ONG Transporte Ativo, José Lobo, que recomenda ações educativas para todos os participantes do trânsito.
- O número de pessoas que usam a bicicleta como transporte na cidade deve ter aumentado de 300% a 500% desde 2000 - estima Lobo, com base em uma pesquisa da ONG ainda em andamento.
O aumento da quantidade de carros também é lembrado por Altamirando Moraes, subsecretário de Meio Ambiente, órgão que é gestor da política cicloviária na cidade. Moraes defende o controle da velocidade dos veículos motorizados em locais com trânsito compartilhado com ciclistas como forma de reduzir o número de mortes.
- Já implantamos na cidade 13 das chamadas Zonas 30, que são áreas com limite de velocidade de 30 km/h. Temos de incentivar o uso da bicicleta. Não é possível ter um carro por habitante. É insustentável para o trânsito, para o meio ambiente e para a saúde das pessoas por causa da poluição do ar - afirma.
Segundo o subsecretário, estatísticas internacionais mostram que as chances de um ciclista morrer em um acidente com um veículo a 30 km/h são de 5%. Se a velocidade for de 45 km/h, esse risco sobe para 50%. Já em um acidente com um carro a 60 km/h, os riscos são de 85%.
Os números de acidentes fatais não surpreenderam o presidente da Federação de Ciclismo do Estado do Rio, Cláudio Santos:
- É preciso proporcionar mais segurança aos usuários. Hoje as ciclovias não são contínuas, o número delas também não é suficiente, e mesmo quando há ciclofaixas, os motoristas muitas vezes não a respeitam.
LegislaçãoO desrespeito às regras de trânsito também é uma das causas de risco para os ciclistas. Pode até não parecer, mas o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelece regras que regem a circulação de bicicletas. Embora grande parte dos condutores desconheça, a legislação também determina itens obrigatórios que toda bike deve ter. Os próprios órgãos responsáveis, no entanto, reconhecem que as leis acabam não sendo cumpridas pela dificuldade de se fiscalizar e de recolher as bikes.
A legislação também deixa brechas que podem gerar dúvidas sobre o correto a fazer, como no caso do lado da via em que as bicicletas devem trafegar. O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) reconhece que no CTB "não tem nada específico sobre o lado que devem andar os ciclistas". E, segundo o órgão, compete aos órgãos e entidades executivas de trânsito dos municípios, promover o desenvolvimento da circulação de ciclistas. Um olhar mais atento sobre a legislação, no entanto, sugere que o ciclista só pode trafegar pela direita.
O artigo 58, por exemplo, estabelece que, nas vias de pista dupla, a circulação de bikes deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa ou acostamento, nos bordos da pista, no mesmo sentido de circulação dos carros. Assim, o ciclista deve seguir pela direita independentemente da direção em que ele esteja. Já para as vias de mão única, vale o artigo 29, que diz que, quando houver várias faixas no mesmo sentido, os veículos mais lentos (o que é o caso das bicicletas) devem ficar à direita.
O analista de sistemas Willian Cruz, que mantém o site "Vá de Bike", entende que, como a legislação deixa dúvidas sobre alguns aspectos, é preciso ter bom senso. Até porque, explica ele, em ruas com faixa de ônibus no lado direito, por exemplo, é perigoso trafegar pelos bordos, sendo mais seguro conduzir nas outras pistas:
- O que mais precisamos é que o respeito garantido pelas leis seja aplicado de fato nas ruas e isso só vamos conseguir com fiscalização e punição - defende Willian.
A ciclista Maria Luisa Jucá, organizadora do Tour do Rio, também reclama da falta de fiscalização na capital fluminense:
- A legislação é insuficiente porque ela não é cumprida. A lei determina que os motoristas têm que manter cerca de 1,5 metro de distância do ciclista. Mas, aqui, os condutores - e não só os de carros, mas até mesmo de ônibus - tiram fino. Foi por isso que desisti de andar de bicicleta pela Presidente Vargas, por exemplo.
De acordo com Jucá, a margem de segurança de 1,5 metro é fundamental para, caso o ciclista se desequilibre ou tenha que desviar de um buraco, ele não corra riscos.
Ainda conforme estabelece o CTB, só é permitida a circulação de bicicletas nos passeios desde que autorizada e devidamente sinalizada pelo órgão com circunscrição sobre a via. Sem a indicação, o ciclista só pode passar pela calçada desde que esteja desmontado e empurrando a bicicleta. Quem não obedecer essa regra comete infração média e está sujeito à receber multa e ter a bicicleta recolhida. Isso, na teoria. Na prática, o próprio Denatran reconhece que não há fiscalização para verificar o cumprimento dessas normas.
A Secretaria municipal de Meio Ambiente informou que a fiscalização pode recolher bicicletas de ciclistas infratores e que "tem informações que nas operações Choque de Ordem várias bicicletas são apreendidas". Já a Secretaria de Ordem Pública (Seop) disse que a Guarda Municipal é que seria responsável pelos recolhimentos.
A Guarda Municipal, no entanto, afirmou, em nota, que, no dia a dia, seus agentes procuram orientar ciclistas e pedestres sobre o correto uso da ciclovia e da área de lazer, mas reconheceu que seus agentes não têm como penalizar o ciclista e nem o pedestre.
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