'Eu me sinto feliz salvando vidas', diz cadeirante que integra blitz Lei Seca
Cerca de 30 cadeirantes vítimas de acidentes trabalham na operação no RJ.
G1 acompanhou o dia de trabalho de três cadeirantes na Barra da Tijuca.
Conscientizar motoristas sobre os perigos do álcool na direção. Essa é a missão de um grupo de cadeirantes vítimas de acidentes no trânsito que há mais de dois anos trabalham na Operação Lei Seca, no Rio de Janeiro. Durante uma blitz, realizada na noite de quinta-feira (22), na Avenida das Américas, na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade, eles compartilharam suas histórias com pessoas abordadas pelos agentes.
Enquanto a equipe montava a tenda e interditava parte da pista, um grupo de três cadeirantes vestia os coletes da operação e separava os panfletos que seriam distribuídos. Um deles é o mecânico Márcio da Silva Alcântara, de 39 anos, que ficou tetraplégico após um acidente em 1993. Ele afirmou que passou a ser visto de outra forma desde que começou a trabalhar nas ruas.
“As pessoas me olhavam como um inútil, um coitado que estava todo quebrado em cima da cama, e hoje eu vou para a rua e vejo que consigo salvar vidas, incentivando as pessoas que forem dirigir que não bebam, ou vice-versa, porque não quero ver ninguém na minha situação. Eu me sinto feliz salvando vidas. É o melhor prêmio que eu tive na minha vida”, disse ele.
“As pessoas me olhavam como um inútil, um coitado que estava todo quebrado em cima da cama, e hoje eu vou para a rua e vejo que consigo salvar vidas, incentivando as pessoas que forem dirigir que não bebam, ou vice-versa, porque não quero ver ninguém na minha situação. Eu me sinto feliz salvando vidas. É o melhor prêmio que eu tive na minha vida”, disse ele.
Márcio, que também é jogador de rúgbi em cadeira de rodas, passou 13 anos na cama até ser convidado pelo governo a participar da operação como agente. Ele disse que no dia do acidente tinha exagerado na bebida e que não tinha consciência do que aquilo poderia lhe causar. “Eu estava sob o efeito do álcool e peguei a moto para trabalhar. Dois ‘caras’ tentaram tomar a minha moto, eu tentei fugir e não pensei na hora, e acabei batendo no carro e quebrei o pescoço”, contou.
Passar a nossa experiência é uma obrigação"
Marcelo Santos
funcionário público
funcionário público
Com fôlego de sobra, o funcionário público Marcelo de Oliveira Santos, de 29 anos - paraplégico desde que caiu de moto após ser atingido por um motorista com sinais de embriaguez – divide o tempo entre o trabalho no Departamento de Trânsito do Rio (Detran-RJ) e na campanha de conscientização e educação. Para ele, é uma oportunidade “de mostrar a realidade de forma crua”.
“Eu comecei em 2009. Até então eu fazia apenas campanhas pela minha ONG. Para mim, é uma oportunidade incrível de passar para as pessoas a realidade, de mostrar o nosso valor. A gente tem que dar o nosso melhor. Passar a nossa experiência é uma obrigação. No fim, sinto que ajudei a evitar mais uma morte no trânsito”, afirmou.
Em vigor no Rio de Janeiro desde 19 de março de 2009, a Operação Lei Seca realiza blitzesem vários pontos do estado e já conseguiu evitar que mais de 5,2 mil pessoas fossem vitimadas no trânsito, com ferimentos, mutilações ou mortes, segundo a Subsecretaria estadual de Governo. Além dos cadeirantes, policiais militares e funcionários do Detran-RJ participam da ação.
Intenção de sensibilizar
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A abordagem é simples: após ser parado na blitz, o motorista salta do veículo e segue para o teste do bafômetro. É nessa hora que os cadeirantes entram em ação e tentam alertar e sensibilizar as pessoas. Veterano nas operações na Barra da Tijuca, o músico Geraldo Batista, de 62 anos, disse que ganha cerca de quatro salários mínimos por mês pelo trabalho na operação.
“Eu estava desempregado quando eles (governo do estado) me chamaram e eu aceitei na mesma hora. No início eu não sabia muito bem do que se tratava, mas logo após as primeiras reuniões eu comecei a entender bem. Nós trabalhamos durante a noite, pelo menos três vezes por semana, e, além de ser gratificante, isso ajuda muito a gente e mostra que nós somos capazes”, disse ele.
“Eu estava desempregado quando eles (governo do estado) me chamaram e eu aceitei na mesma hora. No início eu não sabia muito bem do que se tratava, mas logo após as primeiras reuniões eu comecei a entender bem. Nós trabalhamos durante a noite, pelo menos três vezes por semana, e, além de ser gratificante, isso ajuda muito a gente e mostra que nós somos capazes”, disse ele.
Quando se trata de teste do bafômetro, multas, prisões e apreensão de carros e carteiras de motorista, as reações, segundo Geraldo, vão de risadas a escândalos e xingamentos: “Teve uma vez que um homem bêbado parou com o carro e durante a abordagem dormiu na calçada, ele foi acordado e ainda tentou fugir com o carro, arrastando até os cones. Acabou na delegacia”, disse.
Anjos da guarda
Com a sua cadeira posicionada ao lado da tenta, o mecânico Márcio da Silva Alcântara tentava chamar a atenção das pessoas, algumas até com sinais de embriaguez. Ao ser questionado como classificaria a sua função no meio de tantos agentes, ele respondeu sem titubear: “me sinto como um anjo da guarda”.
Atualmente, cerca de 30 cadeirantes participam da Operação Lei Seca no Rio. Além das blitzes, eles também realizam palestras em escolas e campanha em bares e estádios. “No começo as pessoas ficavam desconfiadas, mas agora fazemos até amigos”, contou Marcelo.
Dezoito anos após o acidente, Márcio da Silva Alcântara tem planos e sonha até com uma vaga na seleção brasileira paraolímpica de rúgbi. “Agora eu sinto que eu posso mais. Quando a gente fica cadeirante a nossa família também fica. Na época do acidente, meu pai perdeu o emprego e minha mãe largou o trabalho para cuidar de mim. Hoje eu não sou mais aquele homem que passou parte da vida na cama, eu tenho um motivo para viver”, completou ele.
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